Que bicho feio!
Foi assim, que exclamou Joice, ao ver sua filhinha nos braços do médico, que assistiu seu parto.
A criança parecia não ter pressa alguma em vir ao mundo, disse Dr.Jorge, com um sorriso consolador, mas Joice não se sentia bem com a presença daquela criaturinha de pele morena e vasta cabeleira negra. Era estranho, alguma coisa na criança a incomodava. Joice tentava olhá-la com admiração, mas era inútil, não conseguia admitir aquela maternidade.
Era manhã de outono e o vento trazia imensas recordações do passado. Lembrava de uma paixão antiga, que a conduzira a viver momentos de grandes emoções. Era como se o nascimento de Anita, fizesse reviver aquelas horas de amor infinito. Sim, porque para ela e Paulo os momentos foram eternos, pois conseguiram intensificar cada segundo de amor.
Por que lembro de Paulo?
Sofremos tanto com a separação, mas conseguimos sobreviver…Eu pensei que havia enterrado todo o meu passado, mas hoje, sinto-o vivo em minhas veias. Posso até afirmar, que percebo o cheiro do perfume “Absinto”, preferido por ele. Por que revivo todas as emoções?
Não, não quero lembrá-lo, preciso evitar qualquer contato com sua pele, que sempre me enlouqueceu!
Anita imóvel no bercinho colocado a meu lado…poderia ser filha daquele Grande Amor!
Anita olhava-me com insegurança: acho mesmo que suplicáva-me amor. Tenho que amá-la, não posso continuar achando-a feia como um bichinho peludo!
De repente, a enfermeira chega com uma Corbélia de flores lindas; vermelhas, perfumadas e sensuais como a noite enluarada.
Gilberto havia mandado as flores…meu companheiro e pai de Anita. Fiquei “super” feliz, porque as rosas são sempre simples e verdadeiras como a vida. Tentei apagar de minha mente todas as lembranças do passado.
Sou feliz!
Preciso acreditar nessa verdade, quero viver em paz com Gil e Anita, agora somos uma família …nunca soube o que era ter uma família…ter um carinho materno, não conheci uma palavra meiga vinda de minha mãe, éramos apenas do mesmo sangue, mas não nos amávamos…éramos estranhas…mais que estranhas…nunca presenciei um gesto de amor dentro de minha casa, todas as ordens eram dadas por ela, meu pai sempre foi passivo, nunca lutou para ser amado e respeitado e ainda o que é pior…nunca exigiu amor entre nós…foi terrível a nossa convivência …ainda sofro muito com isso, gostaria de ter vivido em uma família cheia de amor…carinho…amizade e parceria;Gil é um homem calmo; sem conflitos, sem planos, sem grandes emoções, mas me transmite segurança e a paz que nunca conheci antes…só não consegue provocar-me desejo. Enfim, o que é a vida?
Uma soma de impulsos sexuais?
Soma de aflições contidas?
Soma de desenganos?
Soma de desejos?
Contidos no peito?
Na pele?
No ar que respiramos?